No livro Thriller — A vida e a música de Michael Jackson, recém-lançado no Brasil pela Editora Zahar (tradução de Alexandre Martins), George parte de suas experiências pessoais para traçar um perfil do astro. Ao longo das 197 páginas, além de analisar faixa a faixa o disco de maior sucesso de Michael, Thriller (1982), o autor apresenta alguns pontos de vista originais. George interpreta os uniformes militares usados por Michael no fim da carreira como uma referência à fase Sgt. Pepper’s dos Beatles e, contrariando a opinião corrente, livra a cara de Joe Jackson, o execrado pai de Michael, normalmente apontado como responsável por traumas de infância que teriam originado as esquisitices do astro.
"Nós, americanos, temos por hábito culpar os pais por tudo. Joe é, certamente, uma vítima". diz o autor, em entrevista ao jornal O Globo por e-mail. "Ele não é um cara simpático, não tem charme nem habilidade para lidar com a mídia. Nunca foi capaz de explicar por que Michael e seus irmãos foram criados daquela forma. Joe começou a vida como metalúrgico, em Gary, Indiana, e levou esse estilo rude quando foi para Hollywood."
Assim como Michael, Beyoncé possui a mesma ética do trabalho e a compreensão do que é compor canções que se tornam hinos. Ela pensa grande e entrega com grande precisão
Para George, Joe Jackson foi responsável por ensinar aos filhos — principalmente Michael — a ética do trabalho, ainda que com métodos questionáveis. Segundo o autor, graças ao pai, o cantor aprendeu que, para triunfar em qualquer profissão, é preciso trabalhar duro. George enxerga a mesma obstinação em outra estrela contemporânea: "Assim como Michael, Beyoncé possui a mesma ética do trabalho e a compreensão do que é compor canções que se tornam hinos. Ela pensa grande e entrega com grande precisão. Ninguém será como Michael Jackson, mas a visão global de Beyoncé é bem impressionante."
A ambição pelo superestrelato foi um dos combustíveis da carreira de Michael Jackson. No livro, Nelson George mostra a quase obsessão que o cantor tinha pelos Beatles, a maior banda de todos os tempos e, por isso mesmo, um “adversário” a ser vencido. Além de ter comprado os direitos sobre as músicas do grupo — investimento, que, como mostra o livro, ironicamente, garantiria mais tarde que Michael não fosse à falência —, ele gostava de aparecer em público vestindo uniformes militares semelhantes aos que John, Paul, George e Ringo usaram na capa deSgt. Pepper’s.
"A interpretação padrão é de que as fantasias seriam uma volta à infância. Mas acho que os uniformes de líder de banda marcial que Michael usava, uma conexão mais musical do que militar, serviam, em parte, para ligá-lo aos Beatles", interpreta. "Se ele se pretendia o Rei do Pop, estava se pondo em competição com o maior grupo de todos os tempos."
A vida de Michael Jackson daria um bom thriller. Além de uma trilha sonora eletrizante, drama, suspense, reviravoltas inesperadas, escândalos e uma pitada de terror — a metamorfose física do cantor ao longo da carreira — fizeram parte dessa trama de cinco décadas. George especula o que o cantor estaria fazendo hoje, caso tivesse sobrevivido: "Estaria trabalhando com os principais jovens produtores e compositores do planeta. Ele passou os últimos anos da sua vida fazendo exatamente isso."
Especialista em música negra, Nelson George é autor de alguns livros fundamentais sobre o tema: Where did our love go? — The rise and fall of the Motown sound (1986), história da gravadora Motown, responsável por lançar astros como Stevie Wonder, Diana Ross, Marvin Gaye e o próprio Michael Jackson; The death of rhythm & blues (1988), uma análise da decadência do soul tradicional depois de seu apogeu nos anos 1960 e 70; e Hip hop America (1999), um estudo da música e da cultura do rap, dos MCs e dos DJs. Parceiro do cineasta Spike Lee (ajudou a financiar seu filme Ela quer tudo), George também aventurou-se na direção. É dele o longa Juntos pela vida, exibido em 2007 pelo canal a cabo HBO e que rendeu à rapper e atriz Queen Latifah um Globo de Ouro.
Em visitas ao Brasil — já esteve no Rio, em São Paulo e em Salvador — George tornou-se fã da música brasileira. "Amo Carlinhos Brown, que vi nos Estados Unidos. Escutei compilações de funk carioca que o DJ Diplo lançou nos Estados Unidos e gostei muito. Também gostei de pagode, que ouvi no Rio, em 1995. Fui a Salvador no verão passado e escutei algumas das escolas de samba mais incríveis em ação. Não há no mundo som mais poderoso do que as maciças baterias do Brasil tocando polirritmias em uníssono."
Author, music journalist and filmmaker, Nelson George, reflects on the impact of Michael Jackson and Thriller.
Fonte: Pernambuco
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Capítulo: 2009
Página: 18
... o que "Michael Jackson" significa pode ser tão fluido quanto os passos de dança que e ele tornou famosos. Apesar da alegação do seu espólio, da devoção fanática dos seus fãs mais ardorosos e daqueles que acham que raça não importa (e de outros que sabem que sim), o "significado" de Michael Jackson não pertence a ninguém.
A vida de Michael Jackson levanta muitas questões- sobre Michael e sobre nós. Como equilibramos coletivamente seu brilhantismo musical/teatral e suas relações impróprias com uma litania de garotinhos? O que pensar de sua relação com a cultura negra que o gerou? o sucesso de Thriller deixou alguma lição que possa ser aplicada ao universo da cultura pop profundamente modificado do século XXI?
Eis o que sei. Thriller foi um produto do antigo modelo do mercado fonográfico. É uma afirmação do primado da imagem sobre o som. Transcende fronteiras raciais ao borrar deliberadamente essas fronteiras. Diz respeito a uma busca determinada de grandezas e as dificuldades que se apresentam assim que a grandeza é alcançada. Esta não é uma biografia. É uma mistura de crítica musical, memórias e história cultural. meu objetivo é homenagear o talento de Michael Jackson, sem ignorar suas falhas...
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Capítulo: De volta a Gary
Páginas: 19-21
Se alguém dirigisse à noite indo de Chicago para Gary, Indiana, no começo dos anos de 1960, quando o motor industrial da cidade roncava a pleno vapor, veria chamas se erguendo de metalúrgicas, um símbolo brilhante de vitalidade econômica, muitas oportunidades de emprego e poluição descontrolada. Nesse sentido, Gary era apenas uma das muitas cidades trabalhadoras do Meio-Oeste cujas indústrias hoje decadentes do cinturão de ferrugem garantiam estabilidade aos moradores e residentes produtos nacionais ao país.
Para a América negra, Gary era um centro de grande orgulho racial, um lugar onde novo povo desfrutava de algumas das conquistas dos Estados Unidos pós-segregação. Richard Hatcher foi eleito prefeito de 1967, sendo um dos primeiros afro-americanos a governar uma grande cidade, o prenúncio de uma onda de poder negro que iria tomar cidades por toda a nação. Alguns anos após a eleição de Hatcher, foi realizada em Gary uma conferência política nacional negra que por um breve período uniu todas as pessoas e todos os grupos dispersos que lutava pelo fortalecimento dos negros.
Mas o triunfo de Hatcher foi uma vitória de Pirro, tornada possível em parte pela fuga que levou a classe operária branca para os subúrbios de Indiana, privando Gary, nesse processo, de impostos essenciais e encorajando os políticos estaduais a dar as costa à cidade. Em um estado com um histórico de enorme atuação da Ku klux Klan, para não falar em real poder político da Klan, remontando aos anos de 1920, Gary se tornou em Indiana o símbolo de negros descontrolados. Em reação, o estado suspendeu o financiamento à cidade e aqueles que estimulavam o medo entraram em ação, ambos os elementos abalando a autoridade de Hatcher.
Nesse sentido, Gary, Indiana, não foi diferente de Newark, Nova Jersey; Cleveland, Ohio; ou Detroit, Michigan, novas cidades marromescuras sistematicamentes privadas de recursos por governos estaduais ou pela recusa dos bancos em conceder empréstimos. Os conflitos urbanos de 1960, juntamente com a disseminação da heroína por todas as grandes cidades dos Estados Unidos acabariam transformando guetos operários como Gary em favelas quase inabitáveis. Mas nos anos de 1960 a desesperança que caracteriza os bairros do século XXI não era considerada inevitável. As pessoas ainda acreditavam que se esforçando dentro da lei poderiam, se não limpar o gueto, pelo menos se libertar de seu puxão para o fundo.
Foi nesse contexto que Joseph Jackson e Katherine Corse se casaram, em 1949, geraram, criaram e desenvolveram uma das mais bem-sucedidas famílias de artistas da história dos Estados Unidos. Ele tinha 21 anos, e ela 18 quando se mudaram para a apropriadamente chamada rua jackson. O jovem casal teve nove filhos, uma ninhada que seria perfeita para uma família de agricultores do Sul, mas que em uma cidade grande significava muitas bocas para alimentar. Em dois quartos lotados, maureen (conhecida como Reebbee), Sigmond Esco (Jackie), Toriano Adoyl (Tito), La Toya, Marlon, Jermaine, Michael Joe, Steven Randell (Randy) e Janet viviam aos cuidados de Katherine e Joe.
Katherine trabalhava em regime de meio expediente na Sears e em outras lojas de varejo, mas gastava a maior parte do tempo (e da paciência) sendo uma presença calmante, constante e espiritual para a família. Ela tivera poliomiele quando criança, então mancava um pouco ao andar.No começo do casamento, Katherine fora influenciada pelo grupo religioso Testemunhas de Jeová e frequentava o Salão do Reino local com suas meninas e o jovem Michael, que de todos os filhos, seria o mais interessados nas Testemunhas. Nem Joe nem os outros filhos pareciam dar maior atenção às Testemunhas. Além de fazer trabalho religioso indo de porta em porta em Gary para divulgar as revistas The Watchtower e Awake, Katherine e os filhos liam a tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, o texto fundamental da religião.
AS Testemunhas profetizam que os humanos estão vivendo nos últimos dias da atual ordem mundial e que depois do Armagedom Cristo voltará para governar um paraíso terreno povoados por testemunhas vivas e 144 mil indivíduos ressuscitados. A idéia de recompensa Celestial não é tão fundamentada para a doutrina das Testemunhas quanto a idéia de uma Terra repovoada pelos justos. Ao longo dos anos, um pouco dessa ideologia aparecia em letras e videoclipes de Michael Jackson, filtrada pelo seu prisma da cultura Pop.
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Capítulo: Áudio/ Visual II
Páginas: 54 e 55
... Foi em Friday Night Vídeos que eu e milhões de outros telespectadores tivemos a primeira idéia de como Michael Jackson via a si mesmo. Off the Wall gerou dois vídeos para duas grandes gravções - "Don´t Stop ´Til You Get Enough" e "Rock With You". Os custos de produção de ambos são típicos dos vídeos de baixo orçamentos impostos aos artistas negros até meados da década de 1980: em fita, diante de uma primeira tela verde sobre a qual o fundo seria posteriormente adicionado. Os efeitos especiais eram péssimos, mesmo para os padrões da época.
Apesar dessas limitações, os dois vídeos mostram um jovem à vontade, sozinho sob os refletores. Ele se apresenta sem elementos cenográficos, dançarinos de apoio ou um grande conceito (algo raro em sua carreira). Parece está se divertindo, sorrindo e alegre, sem nada do constrangimento, do cálculo ou da raiva de vídeos posteriores.
Em "Don´t Stop ´Til You Get Enough", Michael veste smoking, gravata-borboleta, camisa branca, sapatos pretos e meias cintilantes (modelo semelhante ao que usaria depois no vídeo de "Billie Jean"). Em "Rock With You" Michael enverga um macacão brilhante que parece feito do mesmo material de sua famosa luva iridescente. Muito se disse sobre o fato de a dança de Michael lembraR James Brown. E, embora os dois partilhassem rodopios e vigor similares, Michael também aprendeu com Jackie Wilson, como fica evidente nesses dois vídeos. Apesar de não ter alcançado o sucesso musical consistente de James Brown, Wilson era um dos poucos artistas da era so Soul que conseguiam ser tão impressionantes no palco quanto o padrinho do Soul. Wilson era um ex- pugilista amador de Detroit cujo trabalho de pernas refletia essa elegância atlética. Michael acompanhou Wilson dos bastidores inúmeras vezes quando criança e introjetou muito do que viu.
O modo como Michael segura o microfone. O modo como controla o tronco ao girar. Seus gestos com a mão livre. Como inclina a cabeça e isola as pernas do corpo ao dançar. Há um pouco de Wilson em todos esses movimentos de Michael Jackson. A extensão vocal e as interjeições de Michael soam muito mais como o tenor agudo e os soluções de Wilson do que como os rosnados ásperos de Brown. Há belos ecos desse velho mestre no jovem Michael, um artista começando a definir seu estilo adulto.
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Capítulo: The Girl Is Mine
Páginas: 91-93
... Felizmente, o gosto de Quincy por material de qualidade estava em ação na seleção de "Girlfriend" de McCartiney para Off the Wall. Agindo como intermediário entre o ex-Beatle e Michael, Quincy descobriu uma uma música com várias linhas melódicas inteligentes que apelava à neninice natural de Michael e ao mesmo tempo extraía seu lado emocional no final.
... Depois de Off the Wall, McCartiney e Michael finalmente se conheceram e criaram um laço. Trabalharam juntos em várias canções, das quais a que mais se destaca é "Say Say Say", composta por McCartiney e produzida por George Martin, que conduzira todas as gravações clássicas dos Beatles, e "The Girl Is Mine", escrita por Michael e produzida por Quincy. Em certo sentido, as duas músicas são continuações da "Ebony and Ivory", porque ambas juntaram um dos maiores astros pop mundiais dos anos de 1960 com um astro negro, que o Beatle tratava como igual, o que era uma ideia quase radical no mundo segregado do pop.
O clipe de "Say Say Say", uma produção elaborada que mostrava os dois astros como artistas itinerantes, e a letra de "The Girl Is Mine", com ambos disputando verbalmente uma garota, eram explícitas declarações antirracistas que mereciam ser feitas no começo da era Reagan. "The Girl", primeiro single saído de Thriller e lançado em outubro de 1982. Foi um sucesso pop, mas recebido com muitos resmungos por afro-americanos nada impressionados com a suposta defesa de namoros interraciais da canção e seu aparente afastamento da grande música dançante de Off the Wall.
No fim, o aspecto mais significativo da parceria entre Paul McCartiney e Michael Jackson não teve nada a ver com a música que os dois produziram juntos. Embora Michael tivesse convivido durante anos com Berry Gordy e outros inteligentes empresários da música, foi foi uma conversa descontraída com McCartiney que o inspirou a estudar a edição de música como fonte de renda, antecipando um negócio que seria o mais importante da sua vida.
Aqui é necessário introduzir um pequeno antecedente dos Beatles.
Em 1963. McCartiney, Lennon e seu agente, Brian Epstein venderam seus direitos de edição para Northern Songs para não ter de pagar uma grande parcela de sua renda em impostos britânicos. Eles continuariam a receber os direitos autorais diretamente, mas os direitos patrimoniais (os outros 50%) seriam filtrados pela proteção contra impostos da Northen Songs.
A estratégia contra os impostos funcionou bem durante seis anos, até o famoso empresário Lord Lew Grade (foto ao lado) fazer uma oferta pelo controle da Northen Songs que deu certo em parte, porque McCartiney e Lennon não conseguiram chegar e um acordo sobre como impedir a jogada da Grade.
Em certo sentido, isso foi ótimo para os Betles, porque a campanha agressiva de Grade aumentou o valor das ações em quase sete vezes. Em outro, o fato de não poderem controlar todos os aspectos de seu clássico catálogo irritou aqueles dois homens inacreditavelmente bem-sucedidos.
Michael entrou em cena em 1985, quando a editora dos Beatles, então parte das mais de 4 mil músicas do catálogo da ATV Music, foi colocada no mercado. Desse total, apenas cerca de 200 canções eram dos Bestles. Aparentemente, McCartiney estava tentando ficar apenas com as músicas dos Beatles quando Michael embolsou a ATV por 47,5 milhões de dólares. Obviamente, essa jogada comercial ardilosa e agressiva não foi boa para a relação entre Michael e McCartiney.
Com o catálogo da ATV (que também incluía composições de Buddy Holly e Sly Stone) gerando faturamento a partir de filmes e comerciais, as canções se tornaram o sustento financeiro de Michael pelo resto de sua vida. Fãs puristas dos Beatles se preocupavam com a possibilidade de Michael licenciar músicas do grupo para comerciais vagabundos de TV (medo que se tornou real quando "Revolution" foi vendida para uso em um comercial da Nike em 1987). Mas, no geral, ele teve respeito pela música, e a música foi boa para ele. Em 1995, Michael Recebeu da Sony 95 milhões de dólares por metade de suas ações da ATV, e alguns anos antes de sua morte as canções da ATV foram usadas como garantia para um empréstimo de 270 milhões de dólares concedida pelo Bank of America. É uma estranha ironia que Michael tenha financiado o estilo de vida grandioso de seus últimos anos em grande medida com renda gerada por canções criadas pelos fãs de R&B Lennon e McCartiney.
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Capítulo : Billie Jean
Páginas: 109-112
Ao longo dos anos, Michael contaria algumas versões da história da garota que inspirou sua maior canção, mas em certo sentido os detalhes não importam. Originalmente intitulada " Not My Lover ", a letra resumia anos de medo das mulheres, desde garotas rasgando suas roupas quando ele era criança e seus irmãos fazendo sexo casual com groupies, até ele ser agressivamente perseguido por mulheres durante a juventude. O tema da mulher devoradora de homens é tão velho na canção americana quanto o blues, tão fundamental para o rock quanto a guitarra elétrica, e sobrevive com vigor misógino no DNA do hip-hop. Homens com acesso fácil de mais a sexo frequentemente se tornam sátiros, agredindo as mulheres que levam para a cama enquanto se deleitam. Michael diferentemente dos irmãos, nunca se entregou a isso, mas sendo um bom virginiano, observou e memorizou tudo.
Em 1982, Michael já saíra com Tatum O´Neal (1ª foto) e Brooke Shields (2ª foto), e tinha Diana Ross (3ª foto), Liza Minelli (4ª foto) e ouitras divas do show biz como confidentes. Fosse lá o que tivesse experimentado, que conselhos houvesse recebido das mulheres mais velhas de sua vida, "Billie Jean" sugere que sua compreensão do sexo oposto era de grande medida um trabalho em construção. E talvez seja a única razão pela qual funciona: Ao definir "Bellie Jean", ele de fato revelou sua própria insegurança e cautela em relação ao sexo, oposto e não.
"Bellie Jean" é uma da quelas raras gravações cuja grandeza fica evidente na primeira em que você a ouve, e, assim como em tantas coisas de Michael jackson, começa com o ritmo. Os movimentos pélvicos, sua cabeça, tudo isso flui a partir daquela profunda batida introdutória, que foi emulada, citada e simplesmente roubada em inúmeras canções pop desde 1983.
A batida da canção, bastante roqueira, mas ainda assim docemente deslizante, é consumação do casamento da tecnologia com um baterista com experiência em estúdio. A busca rítmica foi gravada por Michael em uma bateria eletrônica em sua casa em Encino, e continuou a ser o cerne da gravação durante a maior parte das sessões de Thriller, até que, nas últimas semanas corridas de conclusão da gravação, Jackson, Quincy, repensaram a batida de "Bellie Jean".
O excelente baterista de estúdio Ndugu Chancler foi chamado ao estúdio Westwood para melhorar aquele ritmo. "Fui colocado sozinho em uma sala, para não haver vazamento", me contou Chancler em 1984. "Quincy e Michael entravam pra sugerir coisas durante as duas ou três horas que demorei para fazer a gravação. toquei entre oito e dez vezes". Essa combinação de bateria eletrônica e Chancler tocando uma beteria de jacarandá de nove peças foi fundida pelo engenheiro de som Bruce Swedien.
Incentivado por Jones, que afirmou que "essa música precisa ter uma personalidade sonora única como nenhuma outra que já gravamos", Swedien usou uma pele de bumbo com uma abertura na frente pela qual um microfone podia ser enfiado, depois colado na pele. Swedien fez com que seu colega engenheiro George Massenburg, que era o responsável pelos sons de tambor inacreditavelmente secos das gravações do Earth, Wind and Fire, levasse um console de mixagem portátil de doze canais apenas para captar a seção de ritmo, isolando essas sons do resto da faixa.
De mãos dadas com essa batida de tambor segue a vibrante linha de baixo. o baixista Louis Johson recordou: "Michael foi muito específico sobre como queria que o baixo soasse. Fez com que eu levasse todos meus instrumentos para ver como eles soavam. Experimentei três ou quatro antes que escolhêssemos o Yamaha. Ele é realmente vivo, com muita força e garra. Se você tivesse me ouvido tocar "Bellie Jean" em um baixo diferente, teria dito "use o Yamaha". Eu reforcei a passagem do baixo três vezes para aumentar sua força". Depois o tecladista Greg Phillinganes reproduziria e aprofundaria a linha do baixo de "Bellie Jean" (e da maioria as outras faixas de Thriller).
O veterano Jerry hey fez o arranjo de cordas, que aumentou a tensão da faixa. "Se escutar apenas as cordas, vai jurar que está no Carnegie Hall", disse o engenheiro Swedien. "Tem uma difusão estéreo muito natural ". A gravação foi tão verdadeira e direta como uma gravação clássica".
O equilíbrio entre o solo vocal urgente de Michael e seus arranjos de acompanhamento é o cerne emocional da gravação. Pode-se dizer que em anos posteriores os floreios vocais de Michael com frequência eram apenas isso, ornamentos, não detalhes que potencializam, a mensagem da letra e ajustam o clima da canção. Mas em "Bellie Jean" todos os seus comentários e floreios são tão bem- colocados que soam como pedidos de ajuda sem palavras, transmitindo exasperação e desconforto, medo e frustração. Porém, estão sempre sob o controle da canção, levando a faixa para o âmbito de hino pop ao mesmo tempo em que exorcizam um demônio muito pessoal. Parte da magia das harmonias de apoio é que muitas delas foram cantadas através de um tubo, adicionando uma sensação de distância. Mas aquele vocal solo apaixonado foi gravado em uma tomada impetuosa.
Quincy ficou muito orgulhoso e depois contou aos repórteres que tinha pedido ao saxofonista Tom Scott para participar no final do processo de produção e "adoçar" a faixa com um lyricon, um instrumento de sopro agudo. Swedien contou: Foi idéia de Quincy incluir essa coisinha. Foi um acréscimo de última hora. Quincy chama isso de "doce para os ouvidos". Você não tem consciência dele. É apenas um elemento subliminar que funciona."
Eu escutei "Bellie Jean" um zilhão de vezes e nunca ouvi Scott tocar, mas esse é o ponto. A atenção ao detalhe, pequeno de mais para ser ouvido, mas ainda assim silenciosamente sentido, é apenas um dos muitos motivos pelos quais essa gravação é uma verdadeira obra de arte pop antes mesmo de Michael Jackson fazer seu moonwalk.
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Capítulo: Lady in My Life
Páginas: 122-124
Páginas: 122-124
É 30 de outubro de 2009, a Noite do Diabo no Canadá. Em tributo a Michael Jackson, acontecem uma festa e uma apresentação faixa a faixa de Thriller no Great Hall de toronto. A cantora neo soul Ivana Santilli, convidada pelos organizadores para apresentar "Lady in My Life", de repente se ver se esfregando no pedestal do microfone enquanto canta. "Eu não tinha idéia de que isso ia acontecer. Mas aquela música exige muita paixão", recordou ela algumas semanas depois.
Ivana, integrante do mundo de R&B surpreendentemente movimentado de Toronto e sempre atuante desde a sua estréia grandiosa em 1999, Brown, ficou imediatamente intimidada com a idéia de cantar "Lady in My Life". "Essa música exige de você um nível muito bom", diz ela. "Rod Temperton conseguiu fazer muitas mudanças harmônicas, ao mesmo tempo mantendo a força da melodia.
Os versos iniciais, de "There´ll be no darkness tonight / lady our love will shine´, é o único instante em que essa melodia surge na música. Nunca se repete. No lugar dela há duas outras linhas melódicas."
O segundo e o terceiro versos apresentam a mesma melodia etérea, enquanto a passagem tem uma vibração muito diferente, mais pesada, assim como o refrão em que Michael improvisa sobre aquela vamp excitante.
Em dado momento do terço final da canção, em que Michael canta "Stay with me / I want you to stay with me" e começa a brincar, Santilli acaba no chão cantando e se contorcendo. Rindo pelo telefone, em Toronto, ela sugere que o espírito de Michael deve ter passado através dela. Para Ivana, que cresceu em Toronto ouvindo o álbum, cantar Michael Jackson ao vivo significa que é preciso se entregar seriamente, em voz e no palco. Naquela noite Ivana vestiu um traje ao estilo Thriller - terno branco, camisa preta, lenço de oncinha no bolso e, com um belo toque retrô a mais, um corte de cabelo que fazia referência a Ola Ray no famoso videoclipe de "Thriller".
"Lady" é a última canção do álbum, mas não está lá por acaso. Originalmente encomendada por Quincy a Temperton como uma possível canção para Frank Sinatra, ela tem as melodias traiçoeiras e a estrutura de acordes que chamaram a atenção de Quincy para as composições do inglês. Talvez em função de como foi composta, "Lady" não é uma música que tenha atraído os programadores de rádio após a morte de Michael Jackson. Talvez seja uma faixa de cantor do que de fã.
Por mais desafiador que Ivana tenha achado interpretar "Lady" em 2009, o próprio Michael teve dificuldade em dominá-la na gravação original, de 1983. Em Moon Walk Michael escreveu que "foi uma das faixas mais difíceis de gravar. Costumávamos fazer muitas tomadas para deixar o vocal o mais perfeito possível, mas Quincy não estava satisfeito com o meu trabalho nessa música, mesmo após fazermos literalmente dezenas de tomadas. Ele finalmente me chamou de lado no final de uma sessão e disse que queria que eu implorasse. Foi o que ele disse. Ele queria que eu voltasse ao estúdio e literalmente implorasse por isso."
"Isso", no caso, significava sexo. Para Michael, que crescera vendo cantores de Soul implorando no palco, era uma questão de usar esse conhecimento. De volta ao estúdio de Westlake, Michael mandou apagar as luzes e fechar as cortinas entre o estúdio e a sala de controle. "Q tocou a fita e eu implorei", escreveu ele. "O resultado é o que você vê nos sulcos."
A provocação de Quincy resultou em uma interpretação de precisão técnica e sensualidade.
Assim, "Lady in My Life" fecha Thriller com uma canção que reflete a visão de Quincy, a habilidade de Temperton e os enormes dotes vocais de Michael. Thriller, o long-play, termina com Michael em um ritmo relaxado. A gravação havia acabado, mas a história estava longe disso.
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